Privacidade e Redes Sociais

Utilizo várias redes sociais, mas preservo nelas minha vida privada e as pessoas que dela participam. Vejo nisso um meio de resguardar meus direitos básicos e respeitar meus entes mais ou menos próximos, não caindo na confusão entre público e privado e nem no tão propagado culto da confissão generalizada.

Fica engraçado quando essa postura não é bem entendida: aí me vejo sendo excluído da vida privada – e às vezes pública – de quem escolhe se mostrar nas redes. Como se o imperativo de mostrar a si mesmo definisse a relação, fizesse parte do pacto (em outros tempos um filósofo brincava: expor-se mais – ou menos – como um inseto dissecável ao julgamento de outrem). E quem não cumpre essa regra ve-se ora excluído da rede, ora da vida.

Isso tem um fundo relativamente claro e recente. Em torno de 13 anos atrás, sites como o informarte.net e seu “Baile de Máscaras” (para não citar vários outros) mostravam uma experiência bastante diferente da nossa: o esforço não residia em trazer as picuinhas da vida privada para a vida virtual (não à toa projetos como o do Senador Azeredo hoje são tão sobranceiros), mas sim em levar as possibilidades do hipertexto para a vida pública.

Por exemplo, o simples aluno de graduação poderia iniciar seus estudos acompanhado de interlocuções potencializadoras de um grande estudioso residindo no outro lado do mundo, sem mediações mais ou menos autorais ou autoritárias (um pistolão, por exemplo). Ou mesmo, alguém com um site Geocities (o avô dos blogs) feito à mão poderia colocar informações de par com jornais de grande circulação (e inclusive desmenti-los).

A internet oferecia o seguinte aprendizado: a vida individual poderia ser perfurada em todos os poros por mecanismos potencializadores, verdadeiros “agenciamentos” a maximizar as potências individuais e criar novas relações (chamadas na época de “hiper-textuais”, eventualmente rizomáticas) no mundo.

Em diversos sentidos essa premissa ainda existe nas redes sociais. Mas é curioso notar que hoje parte essencial da balança se inverteu: não é mais a individualidade que se atravessa por conteúdos “supra-individuais” (por assim dizer), mas agora são esses conteúdos supra-individuais que se contaminam de individualidade. Em outras palavras e jogando um pouco com elas, muito das redes sociais contribuem com um movimento crescente de idiotização do mundo: não se trata mais de ultrapassar o mundo privado em possibilidades miraculosas com os outros e o mundo, mas de tirar o caráter miraculoso dessas possibilidades tornando o mundo público (a Rede, por exemplo) uma imagem modorrenta do mundo privado e suas vicissitudes.

Daí a importância tão propagada de hoje mostrar publicamente a privacidade, daí a ofensa pública e a punição pela privacidade não “compartilhada”. Uma contradição e tanto, visto que no fundo e por definição privacidade não se compartilha, apenas se justapõe (a “comunidade” é uma virtude “pública”, não um agregado de conteúdos privados). Cabendo ainda um adendo: nunca o culto à intrusão do privado na vida pública foi tão poderoso e sistematicamente aplicado.

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