O liberal brasileiro

Quando fui morar no RJ encontrei, certa vez, um restaurante convidativo. Era bastante simples e não cobrava extremamente caro como os maiores dos arredores. Dei uma olhada no cardápio e não havia prato executivo, mas o dono diz que eles também faziam. Pedi então um executivo e veio bem servido, a 15 reais (preço do início dos anos 2010).

Gostei do serviço e parecia que o dono queria me deixar à vontade, até ser meu amigo. Fui uma segunda vez e ele cobrou 13 reais.

Comecei a ir ali com alguma frequência. Mas os preços nunca eram os mesmos. E o executivo jamais aparecia no cardápio. Aí eu pagava 15, 14, 11, 17, 13…

Aquilo me incomodava cada vez mais, especialmente quando o preço aumentava. Quase parecia que o preço dependia do papo que eu precisaria ter com o dono, aquele mesmo que parecia querer ser meu “amigo”.

Parei de ir ao restaurante e nem passei mais por lá. Muito tempo depois, encontrei a esposa do dono e ela disse que ele havia ficado muito triste de não me ver mais ali. Percebi, de toda forma, que era impossível que eu comentasse sobre o mal estar que sentia, ao ver que eu era só uma espécie de coadjuvante do dito “serviço”.

Mas a minha surpresa – ao menos inicial – é que esse tipo de prática não era exclusivo dali. Quanto aos restaurantes caros, logo percebi que o serviço também era péssimo, penhorado em quem você era, embora ao menos havia um preço anunciado. Eu ia à padaria e, novamente, não havia preço anunciado, e isso quando o produto já não era ruim de saída (inúmeras vezes vi o dono pegando o mesmo pão do qual recém abanou as moscas).

Mudei de cidade e só encontrei a mesma coisa: quando o preço era anunciado, já era caro. Ou ainda, quase sempre deveria haver um tipo de mediação com o dono ou quem quer que fosse para não ter aquelas coisas com má qualidade ou moscas (ou outras sujeiras, às vezes humanas mesmo).

Num desses lugares, certa vez o preço foi anunciado como “prato à vontade” e o preço era de 12 reais. Pensei: finalmente um prato digno e barato. Mas aí foi possível ver também o outro lado: por vezes os clientes se reuniam em 2 ou 3 para revezar o prato, pois afinal, era um prato por 12 reais e à vontade… Ninguém disse quantas pessoas precisariam comer por prato!

Na última vez, entrei no restaurante, me servi e fui pagar. A dona então disse: “Você não é daqui, né?”. Estranhei e ela continuou “tá na cara que você não é daqui porque você é educado. Como é o seu nome?”

Respondi (e com uma sensação braba de déjà vu sobre como a coisa terminaria). Ela disse então que adora saber o nome dos clientes, conversar com eles e ter uma relação mais pessoal. Era muita gentileza! Durou 4 idas ao restaurante, pois em cada uma delas o preço também era diferente. A quebra no tratamento ocorreu precisamente quando eu chamei a atenção ao fato de que ela aumentou o preço.

Preço caro ou não anunciado, produto ruim, necessidade de ser “amigo” do dono para ter acesso ao razoável: eis uma prática que às vezes flerta com as leis mais universais. E o curioso é que tais coisas, em minha vivência no Rio, se imiscuíram com a história do Brasil dos últimos anos, ao menos desde 2013. Todas aquelas pessoas protestando, primeiro pedindo um Brasil melhor e sem corrupção, depois condenando as manifestações partidárias, pregando o “liberalismo” e então perseguindo o “comunismo” entrevisto até no médico que recusava a dar o “kit COVID” no posto de saúde…

É uma noção de liberalismo e de indivíduo muito curiosa (caso essa noção tenha de fato aterrado por aqui).

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